Renegociar a dívida pública<br>Defender o interesse nacional

José Alberto Lourenço

Na pas­sada se­mana 70 ditas per­so­na­li­dades de di­fe­rentes qua­drantes po­lí­ticos, desde o CDS pas­sando pelo PSD e PS e aca­bando no BE, subs­cre­veram um ma­ni­festo em que con­si­deram in­sus­ten­tá­veis os ní­veis ac­tuais da nossa dí­vida pú­blica e de­fendem a sua re­es­tru­tu­ração como única forma de po­derem ser li­ber­tados re­cursos fi­nan­ceiros na­ci­o­nais que per­mitam à eco­nomia crescer de forma du­ra­doura e con­se­quen­te­mente pagar a dí­vida.

Como o PCP teve opor­tu­ni­dade de nessa al­tura lem­brar a re­ne­go­ci­ação da nossa dí­vida pú­blica há muito que tem vindo a ser por nós exi­gida, dado o seu cres­ci­mento ex­po­nen­cial nos úl­timos anos e dado o peso cada vez mais in­su­por­tável dos en­cargos anuais com os juros da dí­vida. O mon­tante anual de juros a pagar com o ser­viço da dí­vida pú­blica é hoje mais do dobro do in­ves­ti­mento pú­blico anual e é equi­va­lente ao or­ça­mento Mi­nis­tério da Saúde, ou seja, o Es­tado gasta tanto com juros da dí­vida como com a Saúde dos por­tu­gueses e in­veste menos de me­tade do que aquilo que paga anu­al­mente em juros da dí­vida.

Quando há três anos, em 5 de Abril de 2011, em vés­peras de o go­verno PS so­li­citar, com o apoio do PSD e CDS, a in­ter­venção da troika (CE/​BCE/​FMI), o Se­cre­tário-Geral do PCP exigiu em con­fe­rência de im­prensa a re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica, ela atingia já os 162 473 mi­lhões de euros (94% do PIB), tinha quase tri­pli­cado desde o final de 1998 e o início da União Eco­nó­mica e Mo­ne­tária e cus­tava ao País em juros da dí­vida 4850 mi­lhões de euros. Hoje a dí­vida pú­blica atinge os 214 mil  mi­lhões de euros (129,4% do PIB), mais 51,5 mil mi­lhões de euros do que há três anos e mais 35,3 pontos per­cen­tuais e custa-nos 7189 mi­lhões de euros de juros anuais, mais quase 50% . (ver qua­dros com a evo­lução da dí­vida pú­blica e en­cargos com juros)


Em re­lação há três anos, para além de mais en­di­vi­dados a grande al­te­ração que se deu na dí­vida pú­blica diz res­peito aos seus de­ten­tores. Se os es­tran­geiros de­ti­nham nessa al­tura cerca de 63% da dí­vida pú­blica por­tu­guesa e mais de 90% desses cre­dores eram pri­vados ins­ti­tu­ci­o­nais (fundos de pen­sões, in­ves­ti­mentos e bancos), hoje a dí­vida pú­blica na mão de es­tran­geiros é de cerca de 65% do total, mas 65,5% desta dí­vida está nas mãos de cre­dores ofi­ciais (BCE/​FMI/​CE), en­quanto os cre­dores pri­vados detêm apenas 1/​3 dessa dí­vida e neste pe­ríodo des­fi­zeram-se de cerca de 33 mil mi­lhões de euros (em es­pe­cial cre­dores ins­ti­tu­ci­o­nais, es­pa­nhóis, fran­ceses e ale­mães).

O pe­ríodo de in­ter­venção da troika no nosso País, à imagem do que já tinha acon­te­cido na Grécia, tem sido apro­vei­tado pelo cre­dores in­ter­na­ci­o­nais pri­vados para ven­derem muita da dí­vida pú­blica que ti­nham na sua posse. Em es­pe­cial os bancos ale­mães, fran­ceses e es­pa­nhóis têm apro­vei­tado o pe­ríodo de vi­gência do pacto de agressão para re­du­zirem a sua ex­po­sição à dí­vida pú­blica por­tu­guesa.


Re­ne­go­ci­ação da dí­vida é ine­vi­tável

A re­ne­go­ci­ação da nossa dí­vida pú­blica no início de 2011 por ini­ci­a­tiva do Es­tado Por­tu­guês e a di­ver­si­fi­cação das suas fontes de fi­nan­ci­a­mento, re­to­mando uma po­lí­tica ac­tiva de emissão de cer­ti­fi­cados de aforro e do te­souro e de ou­tros ins­tru­mentos fi­nan­ceiros vo­ca­ci­o­nados para a cap­tação da pou­pança na­ci­onal, numa al­tura em que o PS era poder e havia (com o PCP) uma mai­oria de votos na As­sem­bleia da Re­pú­blica, teria per­mi­tido ao País travar esta es­piral de cres­ci­mento do en­di­vi­da­mento pú­blico, teria evi­tado a as­si­na­tura do pacto de agressão e tudo aquilo que ele re­pre­sentou nestes úl­timos três anos em ata­ques aos di­reitos eco­nó­micos, so­ciais e la­bo­rais dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês. Teria evi­tado ao País o maior pe­ríodo de re­cessão de que há me­mória, com quedas abruptas no con­sumo das fa­mí­lias e do Es­tado, com o re­tro­cesso dos ní­veis de in­ves­ti­mento para pa­ta­mares da dé­cada de 50, com a des­truição de cen­tenas de mi­lhares de em­pregos, com cerca de um mi­lhão e meio de de­sem­pre­gados e com ní­veis de emi­gração sem pa­ra­lelo.

A re­es­tru­tu­ração da dí­vida pú­blica que estas 70 per­so­na­li­dades agora vêm propor, sendo o re­co­nhe­ci­mento efec­tivo da im­pos­si­bi­li­dade do nosso País a poder pagar nas con­di­ções ac­tuais, é ma­ni­fes­ta­mente in­su­fi­ci­ente por se cingir aos cre­dores ofi­ciais que detêm 45% nossa dí­vida pú­blica, dei­xando de parte os cre­dores ins­ti­tu­ci­o­nais pri­vados, os grandes be­ne­fi­ciá­rios de toda a es­pe­cu­lação em torno do fi­nan­ci­a­mento da dí­vida pú­blica por­tu­guesa e de­ten­tores de uma per­cen­tagem idên­tica da nossa dí­vida e por afastar a pos­si­bi­li­dade de qual­quer perdão de dí­vida. Para nós, co­mu­nistas, só a dí­vida pú­blica na posse de pe­quenos afor­ra­dores (dí­vida dita não tran­sac­ci­o­nável e cons­ti­tuída por cer­ti­fi­cados de aforro, cer­ti­fi­cados do te­souro e cer­ti­fi­cados do te­souro pou­pança mais) e a dí­vida na posse do sector pú­blico ad­mi­nis­tra­tivo e pú­blico em­pre­sa­rial, no­me­a­da­mente na posse da Se­gu­rança So­cial, não deve ser ob­jecto de qual­quer re­ne­go­ci­ação.


A re­ne­go­ci­ação da dí­vida pú­blica é ine­vi­tável e terá de ser feita mais cedo ou mais tarde, no in­te­resse do País e dos nossos pró­prios cre­dores.

Como então afir­mámos para o PCP a re­ne­go­ci­ação da dí­vida deve ser as­su­mida por ini­ci­a­tiva do Es­tado por­tu­guês, na ple­ni­tude do di­reito so­be­rano da sal­va­guarda dos in­te­resses do País e do povo, as­sente num ser­viço da dí­vida com­pa­tível com o cres­ci­mento eco­nó­mico e a pro­moção do em­prego, tendo como ob­je­tivo a sus­ten­ta­bi­li­dade da dí­vida no médio e longo prazo. Um ser­viço da dí­vida que, pela re­ne­go­ci­ação dos seus mon­tantes, prazos e taxas de juro, seja com­pa­tível com um cres­ci­mento eco­nó­mico ro­busto, ad­mi­tindo para o efeito a de­ter­mi­nação de um pe­ríodo de ca­rência a de­finir e a in­de­xação do valor dos juros a pagar anu­al­mente com esse ser­viço da dí­vida, a uma per­cen­tagem das ex­por­ta­ções anuais pre­vi­a­mente fi­xada.

Há muito que pro­cla­mamos que a re­ne­go­ci­ação deve ser acom­pa­nhada por uma rup­tura com as ori­en­ta­ções da po­lí­tica de di­reita, de que aliás al­guns dos subs­cri­tores foram exe­cu­tantes em­pe­nhados, e a con­cre­ti­zação de uma po­lí­tica de cres­ci­mento e em­prego, de de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico e so­cial do País. Também há muito que o PCP, na sua in­ter­venção po­lí­tica sobre o as­sunto, propõe, com fi­zeram os sig­na­tá­rios, como exemplo e grelha pos­sí­veis de uma re­ne­go­ci­ação da dí­vida, a re­es­tru­tu­ração da dí­vida da Ale­manha no pós-guerra. Re­es­tru­tu­ração essa que, como bem re­co­nhecem re­pu­tados his­to­ri­a­dores eco­nó­micos ale­mães, es­teve na origem do mi­lagre eco­nó­mico alemão.

A forma como o Go­verno re­agiu pela voz do pri­meiro-mi­nistro, mas também o pró­prio PS, mos­tram que nada apren­deram com o de­sastre destes três anos e põe a nu, mais uma vez, o seu pro­fundo com­pro­misso e iden­ti­dade po­lí­ticos com a troika e com o pacto de agressão que subs­cre­veram com essas en­ti­dades.

 



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